HISTÓRIA DO AÇÚCAR NO BRASIL

Leopoldo Costa

Antes, acreditava-se que a cana de açúcar (Saccharum officinarum) fosse originária da Índia. Estudos mais recentes indicam que é mais provável que seja originária da Nova Guiné. Primeiramente foi cultivada como planta ornamental e considerada como de colheita apenas no século VI antes de Cristo, quando o seu cultivo chegou até a Península Malaia e a região sul da Índia.[1] Da Índia, algumas mudas de cana foram levadas para a Pérsia[2], depois de 330 a.C, quando a Pérsia foi conquistada por Alexandre, o Grande (356-323 a.C), propagou-se para o Egito, Marrocos, Espanha e Sicília.
Depois a cultura se difundiu pelas colônias portuguesas dos Açores, Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe. Portugal com estas culturas chegou a dominar o mercado mundial de açúcar na época.

Os Chineses conheceram o açúcar no século VI a.C., porém só na época das Cruzadas, com o retorno dos cavaleiros da Terra Santa, que os europeus foram aprender as delícias do ‘mel pagão’. Era ainda usado em forma de xarope (melaço). Mais tarde foi aperfeiçoada a técnica e o melaço solidificado transformou-se no que hoje é açúcar mascavo.

O Infante D.Henrique de Avis (1394-1460), conde de Vizeu, introduziu engenhos na ilha de Madeira e contratou mestres da Sicília, o primeiro e grande centro industrial de açúcar, para ensinar o oficio. A técnica de extração de açúcar da cana foi descoberta na Sicília no ano de 641 a.C. A produção desenvolveu-se e na sua melhor época, o açúcar produzido na ilha da Madeira, chegava a 120.000 arrobas por ano. Da ilha da Madeira as mudas de cana de açúcar chegaram ao Brasil, as primeiras no ano de 1502.

De início, o açúcar era um produto caríssimo, sofisticado, usado até para presentear reis. Joana de Bourbon (1338-1377), mulher do rei Carlos V da França (1338-1380) incluiu certa quantidade de açúcar no seu testamento.
Na Idade Média o açúcar era vendido em farmácias (boticas) e a preço de ouro: em 1440, uma arroba de açúcar valia 18 gramas de ouro. Com o aumento da oferta, o preço do açúcar reduziu-se para 2 gramas de ouro por arroba em 1501.
No atacado era vendido pelos comerciantes de especiarias e era monopolizado. Em 1472  passou a ser comercializado diretamente por representantes dos países produtores e com isso a oferta aumentou e os preços reduziram-se, mas continuando a ser um excelente negócio. O consumo foi popularizado e os volumes cresciam de ano para ano.
O principal entreposto mundial de açúcar era o porto de Antuérpia e os negociantes Flamengos passaram a monopolizar o comércio do produto. Portugal vendeu em 1500 para Antuérpia, cerca de 40.000 arrobas de açúcar.

Em 1516, o rei Manuel I (1469-1521), procurando desenvolver a produção de açúcar no Brasil e aumentar a participação de Portugal no mercado da Europa, mandou procurar no Reino, alguma pessoa para enviar ao Brasil, (oferecendo em troca muitas regalias) que conhecesse a técnica da fabricação de açúcar de cana. Deve ter encontrado alguns, pois, em 1526, já estava operando em Pernambuco, o primeiro engenho no Brasil. Era o engenho de Pero Capico ou Carpico. Há registros em Lisboa de cobrança de impostos de uma remessa de açúcar com data deste ano.

Com Martim Afonso de Souza (1490-1571), iniciou-se o cultivo organizado da cana de açúcar no Brasil, permitindo a instalação de alguns engenhos. Pêro e Luís de Góes construíram em 1532 um engenho em Santos no local mais tarde denominado Nossa Senhora das Neves. Outro engenho foi construído em 1533, nas proximidades do morro de São Bento, pelo imigrante italiano Antônio Adorno. O próprio Martim Afonso construiu um engenho, em sociedade com dois holandeses, João van Hielst e Erasmo Shetz. Foram os comerciantes Flamengos os financiadores deste engenho. No final do século XVI, havia na região de São Vicente seis engenhos.

Em 1600, o Brasil já era o maior produtor de açúcar do mundo. A instalação de engenhos progrediu, para facilitar a vida dos brasileiros, a Coroa limitou as cotas de açúcar procedentes da ilha da Madeira, estimulando a produção dos engenhos brasileiros, instalados ao redor da vila de São Vicente.

O donatário Vasco Fernandes Coutinho, providenciou em 1540 a instalação de quatro engenhos no Espírito Santo. Destes engenhos, saiu em 26 de setembro de 1545, o primeiro carregamento de açúcar oficialmente exportado para o Reino pelo navio de Brás Teles.

Em 1570, a Coroa isentou de impostos por 10 anos, quem instalasse engenhos de açúcar no Brasil.

Os primeiros engenhos eram simples. Consistiam de dois cilindros de madeira horizontais, movidos a água, quando havia queda e volume suficiente, e na maioria das vezes, por tração de bois. A primeira inovação tecnológica foi introduzida em 1608, que foram três cilindros bem ajustados, sendo o do meio que fazia girar os outros dois, movidos também por água ou tração animal.
'Havia os 'engenhos trapiches,' movidos a tração animal e os 'engenhos reais', movimentados por força hidráulica. Os engenhos reais eram bem mais produtivos do que os trapiches, embora, em épocas de pouca chuva, se mostrassem menos eficientes. Cada trapiche requeria sessenta bois, distribuídos em turmas de doze bois, que faziam revezamento, trabalhando de 15 a 16 horas por dia.'[3]
Os Holandeses foram quem introduziram moendas de metal e tachos de ferro fundidos, substituindo os de cobre até então usados.

Os bois eram de grande importância para o funcionamento dos engenhos, pois, estes eram abastecidos com a cana transportada em carros de bois desde os locais da colheita.  Os bois eram usados para mover as moendas e por fim eram também nos carros de bois que o açúcar chegava até os portos para ser embarcado nos navios.

Duilio Ramos relata que em 1584, os engenhos se pareciam com uma vila. Havia além do edifício onde moía a cana, os depósitos de cana, a casa das caldeiras, a casa de purgar, o palanque para o mestre do açúcar, a fábrica de caixas de madeira, a estrebaria, o curral, as casas dos funcionários mais graduados, a senzala e a capela.[4]

O principal problema dos engenhos brasileiros era a escassez de mão de obra.

Stuart B. Schwartz, professor do Departamento de História da Universidade de Yale (EUA) especialista na história do Brasil colonial, escreveu que o custo de um engenho de açúcar no período áureo, era formado em 50% como o investimento em terras para a cultura de cana de açúcar e a criação de animais para uso do engenho, 20% como investimentos em edificações (casa grande, fábrica, senzala, depósitos, capela etc.), outros 20% como aquisição de escravos para ao trabalho e finalmente 10% na aquisição de animais de tração.


Os engenhos eram classificados em três formas: de acordo com a localização geográfica, conforme o tipo de propriedade e de acordo com a força motriz. 
Se fossem localizados no litoral ou nas margens dos rios chamavam-se de ‘beira-mar’. Estes eram, em geral, os maiores e mais rentáveis. Os que eram localizados no interior, chamavam-se ‘da mata ou terra adentro’, eram menores e menos rentáveis devido o alto custo para transportar o açúcar até os portos. 
Quanto à propriedade, eram classificados como ‘régios’, os que eram construídos com financiamento da Coroa e os ‘corporativos’ os que pertenciam às ordens religiosas (Jesuítas, Carmelitas  e Beneditinos) que produziam açúcar da mesma forma que todos os outros proprietários, empregando mão de obra escrava indígena e/ou africana e comercializando no mercado, como os demais. 
Quanto a força motriz podiam ser a água ou animais.

Antonil, na sua obra ‘Grandeza e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas (1711), relata que na área dos engenhos, ou seja, na cidade de Salvador e nas outras do Recôncavo Baiano, apenas os mais abastados tinham o privilégio de consumir carne fresca. Os negros, que eram bastante numerosos, alimentavam de miúdos bovinos, tripas e do sangue das reses abatidas. Antonil também incluiu uma estatística sobre os engenhos e a produção de açúcar na sua época:



                              Produção de Açúcar em Caixas


                     Para Exportação à Portugal


Número de  Engenhos
Branco Macho
Mascavo Macho
Branco
Batido
Mascavo
Batido
Consumo Interno
Bahia
       146
  8.000
  3.000
  1.800
  1.200
  500
Pernambuco
       246
  7.000
  2.600
  1.400
  1.100
  200
Rio de Janeiro
       136
  5.600
  2.500
  1.200
     800
  120
Total Geral
       528
20.600
  8.100
  4.400
  3.100
  820
Total do Brasil: 37.020 caixas

Outros engenhos de açúcar foram sendo construídos em Salvador, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, cada vez exigindo mais mão de obra escrava.

Em Alagoas, o primeiro engenho foi instalado em 1545. Em 1570, na Bahia existiam 18 engenhos e em 1584, já chegavam a 36. Em Sergipe, o primeiro engenho foi construído em Santa Luzia em 1592. Em 1594, já existiam quatro engenhos em funcionamento. Em 1550, existiam cinco engenhos em Pernambuco e em 1628, já havia em torno de 235 engenhos instalados em todo o nordeste brasileiro. Em 1637, época em que o Brasil estava ocupado pelos holandeses, a produção de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte já ultrapassava a 1 milhão de arrobas. 


Pero de Magalhães Gândavo, no seu ‘Tratado de Terra do Brasil’,em meados do século XVI, enumera a seguinte estatística de engenhos no Brasil

Capitania
     Funcionando
    Em Construção
Itamaracá
1
2
Pernambuco
20
3 ou 4
Bahia de Todos os Santos
18

Ilhéus
8

Porto Seguro
5

Espírito Santo
1

Rio de Janeiro
?

São Vicente
4

TOTAL
57 ?
5 ou 6












As anotações preservadas do engenho Sergipe do Conde,[5] um dos maiores do Nordeste, demonstram como era rentável o negócio de açúcar, principalmente para os comerciantes. Na safra de açúcar 1628/1629 o valor médio das 6.759 arrobas exportadas pelo engenho foi de 625 réis por arroba. Na mesma época o preço do açúcar no porto de Lisboa era de 1.210 réis por arroba, atingindo até 2.020 réis para o açúcar de qualidade superior. Pelo mínimo, metade de toda a receita obtida ficava com quem comercializava e transportava o produto.

Em 1800, segundo Heitor Ferreira Lima[6] na ‘Historia Político-Econômica e Industrial do Brasil’, existiam 806 engenhos no Brasil, sendo 37 na Paraíba, 296 em Pernambuco, 73 em Alagoas, 140 em Sergipe e 260 na Bahia. Considerando que dois terços dos engenhos eram ‘trapiches’ ou ‘engenhocas’ e que cada um usava em média 60 bois, conclui-se que apenas nestes engenhos seria necessário um contingente de 33.000 cabeças de bois.

                               Exportação de Açúcar para Portugal (1560 a 1760)


Data
N° de Engenhos

Exportação em Arrobas
Preço em Lisboa por @
Valor Total
Em Libras


1560 a 1570

  60

   180.000

  1$400

  270.406
1580
118
   350.000
  1$600
  528.181
1600
200
2.800.000

        ?
1610
400
4.000.000

        ?
1630

1.500.000

2.454.140
1640

1.800.000

3.598.860
1650

2.100.000

3.765.620
1670

2.000.000

2.247.920
1710
650
1.600.000
  2$400
1.726.230
1760

2.500.000

2.279.710
Fonte: Saga-A Grande História do Brasil-Abril Cultural- 1981- vol.1 pg.188




[1] O livro sagrado do hinduismo "Ramayana", menciona o uso do açúcar (século V a.C.)
[2] O rei Dario, foi quem a descobriu na India, o que ele chamou de "cana que dá mel sem a  ajuda das abelhas"
[3] Antonio Mendes Jr. et alii, na obra "Brasil História",
[4] Ramos, Duilio- in "História da Civilização Brasileira"
[5] O engenho era de propriedade de Mem de Sá.
[6] Foi um importante membro do Partido Comunista Brasileiro e preso em 1938 .

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