HISTÓRIA DA MINERAÇÃO DE OURO NO BRASIL

Leopoldo Costa

Nas primeiras décadas do século XVI, a Coroa portuguesa contratou especialistas em mineração, como Luis Martins, para tentar encontrar jazidas de metais preciosos no interior do Brasil. Ele descobriu ouro de lavagem próximo de Santos, em Jaraguá ou Caatiba.

Como as colônias espanholas tinham descoberto prata em Potosi, no Alto Peru, atual Bolívia, as expectativas eram que a mesma ocorrência podia acontecer no Brasil, devido à latitude e a semelhança dos solos. Era uma verdadeira obsessão esta procura.

O alemão Heliodoro Eobanos, que era guia de bandeirantes, descobriu entre 1570 e 1584 aluviões auríferos promissores em Iguape, Paranaguá e Curitiba. Ele foi o fundador de Paranaguá.  

Antes em 1567, apenas como registro, foi encontrado ouro em Porto Seguro, na Bahia, que de tão pouco nem chegou a ser explorado.

Jerônimo Leitão, governador da capitania de São Vicente entre 1572 e 1592, acompanhado de Brás Cubas, encontrou em 1590, nas cercanias de São Paulo, próximo ao pico do Jaraguá, alguma quantidade de ouro e prata, também tão pequena que nem se interessou pela sua exploração.

Houve outras pequenas explorações em Paranapiacaba, Guaramumis, Nossa Senhora de Montserrat, Parnaiba e Ibiraçoiaba.

Entre 1586 e 1604, foi enviado de Portugal, que estava sob o domínio espanhol e assim procurava adotar as praticas espanholas na atividade, um contingente de experientes mineradores e fundidores, com os equipamentos necessários para exploração mais eficiente destas minas.

O historiador Nelson Werneck Sodré (1911-1999)[1] destacou a diferença que existiu entre a mineração colonial espanhola e a mineração colonial portuguesa. A mineração espanhola apareceu logo no início da colonização, sendo uma atividade praticada pela população, apresentando características geológicas que exigiam grandes empresas e técnicas avançadas de exploração. A mineração portuguesa surgiu depois, de quase dois séculos de colonização, vinculada aos paulistas no seu conhecimento do território e da mineração de ouro de lavagem. Não dispunham, nem se exigia pessoal especializado, nem técnicas especiais e pouco capital. As minas ficavam em lugares de difícil acesso, distante do litoral e o sistema de lavagem, exigia constantes mudanças de locais de exploração.

O governador geral Francisco de Souza (1540-1611), entusiasmado pela possibilidade de grande produção de ouro, chegou a transferir em 1599 a sede do governo para São Vicente, onde ficou até a sua morte em 1611. Deu apoio a várias expedições, dentre as quais a de André de Leão, Simão Álvares e Nicolau Barreto, que não conseguiram descobrir ouro.
Entre os anos de 1674 e 1681, o bandeirante Fernão Dias Paes Leme (1608-1681), com o seu filho Garcia Rodrigues Paes (m.1738), seu genro Manuel de Borba Gato (1649-1718), acompanhado de dezenas de escravos índios, procurou metais e pedras preciosas nos sertões de Minas Gerais. A sua intenção era encontrar ouro e esmeraldas. Não conseguiu encontrar o que queria, mas abriu caminho para outras expedições que tiveram sucesso.

Em 1693, Antonio Rodrigues Arzão (m.1730), à procura de indígenas para prear, encontrou ouro em 1698 no Ribeirão do Carmo (Mariana) e Antonio Dias de Oliveira descobriu ouro em Vila Rica, hoje Ouro Preto.

Ao tomar conhecimento das boas notícias, Portugal viu na nova atividade possibilidade de recuperar as suas finanças, que estavam debilitadas desde a decadência do Ciclo do Açúcar. Tinha perdido o monopólio de comercialização do produto e a concorrência da Holanda derrubou os preços a níveis que quase não compensava a produção.

Uma carta régia datada de 19 de novembro de 1697 registra que Garcia Rodrigues Paes foi o primeiro a descobrir ouro de lavagem em um ribeirão de Sabarabuçu. Existem outras hipóteses sobre o pioneirismo da descoberta. Antonil na sua já mencionada obra e Augusto de Lima Jr. (1889-1970) no livro ‘ A Capitania de Minas Gerais’ citam como o primeiro descobridor Duarte Nunes que no final do século XVI teria descoberto o mineral em Pernaguá.  Boris Fausto (n.1930), no seu livro ‘História do Brasil’ escreveu: ‘em 1695, no rio das Velhas, próximo as atuais Sabará e Caetés, ocorreram as primeiras descobertas significativas de ouro. A tradição associa a essas primeiras descobertas o nome de Borba Gato, genro de Fernão Dias (...).

No período de 1705 a 1750, chegaram ao Brasil cerca de 20.000 portugueses. A mineração faria decuplicar a população da colônia. Estimada em 100.000 habitantes no final do século XVI, chegou a 300.000 no final do século XVII e 3.300.000 habitantes no final do século XVIII. A Metrópole teve que tomar providências para diminuir a saída de pessoas, pois Portugal não tinha população suficiente para estes exageros.

Em 1702, foi criada a Intendência das Minas, um dos órgãos controladores da atividade mineradora. Toda descoberta de jazida tinha que ser obrigatoriamente comunicada a Intendência, que enviava aos locais funcionários do órgão para medir e delimitar a área, dividindo-a em ‘datas[2]’. Ao descobridor caberiam duas ‘datas’, a Fazenda Real uma ‘data’ e as outras ‘datas’ eram sorteadas entre os interessados que tinham mais de 20 escravos.

Em 1738 existiam nas minas 101.477 escravos. Os proprietários das minas deviam pagar a Coroa o ‘quinto’, imposto de 20% sobre todo o ouro lavrado. Este imposto era sonegado de várias maneiras, mas se não fosse, Portugal não teria onde colocar tanta riqueza.

Em 1713, sabendo do contrabando de grande parte do ouro, que não pagava impostos, da dificuldade de controlar a produção foi fixada uma taxa anual fixa e única (‘finta’) de 30 arrobas de ouro (450 kg) para toda a região, que em razão dos protestos foi reduzida para 25 arrobas em 1718 e aumentada em 1719 para 37 arrobas.

Em 1725, foram criadas as Casas de Fundição para impedir o contrabando do ouro em pó. A partir desta data só era permitida a comercialização de ouro em barras.

Em 1735 o governador Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela, que governou de 1733 a 1763, quis estabelecer o ‘imposto de capitação’ de 17 g de ouro por escravo/ano e os mineradores percebendo que a conta poderia ser maior, espontaneamente ofereceram para pagar a ‘finta’ de 100 arrobas de ouro por ano.

No início, a extração do ouro era feita nos leitos dos rios e os mineradores eram chamados de ‘faisqueiros[3] e no fundo dos vales, os ‘tabuleiros’ e depois, de 1721, quando não havia muito ouro nos depósitos de superfície, a mineração passou a ser feita nas encostas das montanhas (‘grupiaras’), que exigiam mais equipamentos e mais mão de obra.

Em 1718, Pascoal Moreira Cabral, (n.1654 um paulista de Sorocaba, liderando um movimento de ‘monções’ que tinha como objetivo a preação de índios, descobriu ouro às margens dos rios Coxipó e Cuiabá no Mato Grosso e fundou no dia 8 de abril de 1719, o arraial de Cuiabá, que pelo rápido progresso foi elevado à vila em 1727.

Antes dele em 1716, o bandeirante Antonio Pires de Campos, filho de Manuel de Campos Bicudo, descobriu ouro no sul do Mato Grosso. Conta uma lenda, que o mascate Miguel Sutil, que fazia viagem para vender os seus produtos pelos sertões de Mato Grosso, estava descansando numa parada e pediu a dois escravos que fossem procurar mel para eles. Para sua surpresa, além do mel, os escravos trouxeram algumas pepitas de ouro, encontradas a beira de um riacho. A notícia espalhou e a região onde foram encontradas as pepitas tornou-se um centro de afluência de muitos aventureiros.

Com o desenvolvimento da mineração em 1748 foi criado pela Coroa portuguesa a capitania de Cuiabá, sendo nomeado como primeiro governador o capitão-general Antônio Rolim de Moura (1709-1782), que fundou o povoação de Vila Bela.
Bartolomeu Bueno da Silva partiu de São Paulo em 1722/1725 com destino a Goiás e encontrando veios de ouro, fundou a primeira povoação goiana, o arraial da Barra, (hoje Buenolândia) na confluência dos rios Vermelho e Bugre, que foi a primeira sede da administração da região.

Mais tarde estabeleceu outras minas como a de Santana, São João Batista, Ouro Fino, da Anta, de Santa Rita e Tesouras. Em 1736 foi encontrado ouro em São Felix, em 1737 em Jaraguá, em 1740 nos rio Claro e  rio Pilões e em 1749 em Cocais.
Sabendo das noticias das descobertas em 1728, o governador de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, que tinha a jurisdição do território, enviou carta ao rei de Portugal João V (1689-1750) comunicando a abundância de ouro encontrado.

A fiscalização das minas da colônia era feita por um guarda-mor e mais raramente por um superintendente que acumulava as funções.
Em 1709, Minas Gerais ganhou um governador e capitão geral, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1655-1725), que ficou morando na vila de São Paulo.

Uma grande parte do ouro produzido no Brasil não ficava nos cofres de Portugal. O rei, temeroso da cobiça de outros países, fez uma aliança com os ingleses (a maior potência militar da época) para a defesa territorial (Tratado de Methuen-1703. Todas as manufaturas tinham que ser importadas da Inglaterra, com pagamento em ouro. Pagava-se em ouro também todos os juros dos empréstimos.

A produção de ouro de ouro de Minas Gerais entre 1700 e 1780 totalizou 874 toneladas, a de Goiás, 160 toneladas e a de Mato Grosso, 60 toneladas.

Em 1750 a população da região mineradora de Minas Gerais era de 50.000 habitantes.[4] Cerca de 30.000 pessoas garimpavam ouro e pedras preciosas na pequena região delimitada por Vila Rica, Caeté, Mariana, Sabará e Pitangui, e a região não tinha estrutura para suportar tanta gente.

Esta grande aglomeração de pessoas num território exíguo provocou sérios problemas de escassez de alimentos e esta carência chegou até a prejudicar as regiões vizinhas. No Rio de Janeiro, cerca de 1.000 trabalhadores abandonaram as lavouras para buscar ouro, deixando de produzir cereais.

Em 1697/1698 foi registrada na região de mineração a primeira crise de falta de alimentos e outra pior veio a ocorrer em 1700/1701. A fome grassava em todos os arraiais, obrigando a população a comer de tudo, cobras, lagartos, içás, sapos e até ‘bichos mui alvos criados em pau podre’, como chegou a escrever um cronista da época.

A dificuldade de transporte dos alimentos e a grande procura foram os motivos destas calamidades. Havia abundância de ouro e falta de produtos para serem comprados.[5]

Segundo Zemella[6]: ‘Não é fácil abastecer centros populacionais nascidos quase da noite para o dia. Havia gente demais para ser alimentada, vestida, calçada e abrigada. O abastecimento das minas tornou-se um problema que por vezes se apresentou quase insolúvel, sobrevindo crises agudíssimas de fome, decorrentes da total carência de gêneros mais indispensáveis à vida.

Os alimentos vinham de longe. Para o seu transporte pelos íngremes caminhos foi organizado o comércio de mulas e criada a atividade de tropeiro, fazendo a fama de Sorocaba.

O governador conde de Assumar (1688-1756) emitiu apelos desesperados para que os criadores de São Paulo despachassem boiadas para a região de mineração, porém só em 1719 é que começaram a chegar as primeiras boiadas paulistas.

Segundo Eduardo Frieiro (1889-1982)[7]Já ao tempo do conde de Assumar, que governou a capitania das Minas de 1717 a 1721, grande como era a necessidade de carne bovina, indispensável à alimentação dos mineradores, havia-se incrementado a importação de gado, procedente de São Paulo, Curitiba e notadamente dos sertões da Bahia e Pernambuco. O conde calculava em 18 ou 20 mil cabeças de bovinos o consumo anual dos moradores, que seriam então uns 30.000. Para regularizar a importação, estabeleceu o governador contratos de fornecimento de carne e aconteceu que o estanco oriundo dessa medida provocou sérios descontentamentos que teriam concorrido para o desfecho da luta entre paulistas e emboabas. Por outra parte, o estanco da águardente, produto considerado então quase tão necessário como os gêneros alimentícios, chegou a provocar um começo de revolta na vila de Pitangui, em 1720’.

Para Laura de Mello e Souza (n.1953) no seu livro 'Desclassificados do Ouro: A Pobreza Mineira no Século XVIII', os primeiros anos da mineração foram os que a fome foi mais presente. A falta de alimentos transformou a região aurífera no ‘centro de inflação da Colônia’, onde os preços dos alimentos e produtos de primeira necessidade eram supervalorizados e calculados em oitavas de ouro. Segundo a autora, muitos dos primeiros povoados foram abandonados pelos mineiros em decorrência da falta de alimentos.

A fome acompanhou a população por todo o século XVIII, no entanto, a partir da primeira década, com a presença mais marcante do poder metropolitano na região aurífera, a fome nunca mais chegou ao extremo antes vivido. As autoridades da Colônia preocuparam com a oferta de alimentos para a região mineradora, de onde provinha toda a riqueza que a Metrópole usufruía[8].

A Coroa entendeu que o projeto de mineração só teria êxito se as concessões das ‘datas’ auríferas fossem acompanhadas de cartas de sesmarias doando terras destinadas à agricultura de abastecimento. Em pouco tempo, toda a região foi dividida em inúmeras sesmarias, tanto nas proximidades das minas, quanto ao longo dos principais eixos de circulação, tais como as Estradas Reais.

Diogo de Vasconcelos (1843-1927), na sua obra ‘Historia Antiga de Minas Gerais’ relata que no final do século XVI, Artur de Sá Meneses (m.1709),governador do Rio de Janeiro, alegando o objetivo de melhorar o abastecimento de alimentos, decidiu monopolizar o fornecimento de gado para a região de Ouro Preto. O escolhido para este privilégio foi Francisco do Amaral, abastado comerciante português, que em contrapartida se obrigava a reparar e manter em boa ordem, os caminhos que conduzia a Bahia, de onde proviam os rebanhos. O comércio de carne envolvia por ano um valor equivalente a 30 arrobas de ouro. O contrato foi firmado em 1701 e previsto para terminar em 1706. Francisco do Amaral conseguiu sua prorrogação.

Para se ter uma ideia de como o negócio era lucrativo, uma cabeça de gado custava nos currais de Jacobina na Bahia entre 3 a 4 oitavas, nos da margem do rio São Francisco entre 8 a 9 oitavas[9]. Vendida nos açougues da comarca do Rio das Velhas (Sabará), apurava-se entre 70 a 80 mil-réis[10] por cabeça e nos açougues de Ouro Preto ou da Vila do Carmo (Mariana) entre 80 a 90 mil-réis por cabeça.

A falta de alimentos provocou a debandada de muitos, que partiram para locais distantes algumas léguas da região. Continuaram a prospectar ouro, desta feita não nas 'catas', que tinham que ser concedidas pela Coroa, mas nos córregos e rios onde a garimpagem era livre e fora do controle do governo. Confirmando a tese do poeta Basílio da Gama (1741-1795), este procedimento aumentou a produção e os locais de procedência do precioso metal.

Nas áreas onde se estabeleceram os foragidos era plantado milho, feijão e mandioca, como também se preocupavam em criar bois, porcos e galinhas. Não queriam mais experimentar a situação angustiante de passar fome.

Sobre a decadência do ciclo da mineração, R. Haddock Lobo na ‘História Econômica e Administrativa do Brasil’ escreveu: ‘Um dos característicos da nossa vida economica em fins do século XVIII reside na decadência das atividades mineradoras, devido ao esgotamento das atividades mineradoras, devido ao esgotamento das jazidas e também à ineficiência dos processos de extração. Foi visto quão precária se tornara a exploração de diamantes. Embora num ritmo mais lento de decadência, o mesmo se daria com a extração de ouro, cuja produção diminuiu gradativamente, até figurar no século XIX como atividade secundária. Nas vésperas de nossa emancipação política, já estava reduzido o rendimento das minas, e cidades outrora opulentas como Vila Rica (hoje Ouro Preto), caíram em decadência.’


[1] In ‘Formação Histórica do Brasil’
[2] Datas eram áreas de 900 braças, equivalente a 4.350 m².
[3] Porque o ouro ‘faiscava’, isto é brilhava ao sol, quando encontrado.
[4] Registro de um amanuense de Garcia Rodrigues Pais. Antonil falava em ‘mais de 30 mil almas’.
[5] “O flagelo da fome produziu na Serra de Ouro Preto a debandada dos moradores, igualmente cegos pelo ouro, esquecidos dos comestíveis. Alguns retiraram-se para São Paulo...” (Diogo Vasconcelos).
[6] ZEMELLA, Mafalda P.: "O abastecimento da capitania das Minas Gerais no século XVIII". Coleção Estudos Históricos, Hucitec-Edusp, São Paulo,1990
[7] Feijão, Angu e Couve, 1966, Centro dos Estudos Mineiros- Belo Horizonte.
[8] Segundo José J de A. Arruda, no seu livro ‘ O Brasil no Comércio Colonial’: ‘... a região de Minas e do Sertão trocam ouro por gado. O Sertão remete gado-ouro para a Marinha e recebe manufaturas-escravos. As Minas enviam ouro-diamantes e recebem manufaturados-escravos. Ao nível da Marinha, via navegações de cabotagem, transitam gêneros agrícolas de subsistência, principalmente charque’.
[9] Uma oitava equivalia a um oitavo de onça, ou seja, 3, 586 g de ouro
[10] Em réis, uma oitava de ouro valia na época de 1$200 a 1$500. 80 mil réis seriam iguais a 53 oitavas de ouro.

0 Response to "HISTÓRIA DA MINERAÇÃO DE OURO NO BRASIL"

Post a Comment

Iklan Atas Artikel

Iklan Tengah Artikel 1

Iklan Tengah Artikel 2

Iklan Bawah Artikel