HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO NA FENÍCIA E CARTAGO

A Fenícia, que hoje compreende aproximadamente o território do Líbano, era habitada pelos Cananeus (de Canaã) um povo de origem Semita. Durante o terceiro milênio antes de Cristo, eles iniciaram a organização em pequenas cidades autônomas e soberanas, que se tornaram cidades-estado. No século XII a.C as cidades-estado formaram a Fenícia.

As cidades eram autônomas e soberanas. Como o território era pequeno, estreito e acidentado foi no litoral onde desenvolveram as principais : Biblos, Sidon e Tiro. Cada cidade era governada por um rei, indicado pelos clãs mais poderosos.

Biblos, situada ao norte, foi fundada em 2500 a.C e mantinha intenso comércio com Chipre, Creta e Egito. É a cidade  da Fenícia que deixou menos informações sobre a sua história.

Sidon teve o seu apogeu entre 1500 e 1300 a.C e substituiu Creta no predomínio comercial do mar Mediterrâneo. 

As cidades-estado não tinham ambições militares e nunca constituíram uma poderosa unidade política. A organização política tinha por base os clãs que eram proprietários das riquezas e detinham o poder militar. 
Com a abundante e adequada madeira do cedro-do-líbano, existente nas encostas das montanhas, construíram seus barcos e desenvolveram a arte de navegar. Percorreram todo o mar Mediterrâneo, fundando empórios e feitorias, levando produtos para serem trocados por bens de valor


A sua grande riqueza era derivada da púrpura, pois vendiam a Grécia e Roma, tecidos de lã de cor púrpura, usados na confecção de vestimentas para a nobreza.
O pigmento para obter a cor era um segredo naquela época, só conhecida por eles1 Em 1150 a.C. Sidon foi conquistada pelos Filisteus, uma tribo que habitava o sul da Palestina.

Tiro desenvolveu-se a partir de 1200 a.C e foi a mais importante de todas as cidades fenícias. Praticava o comércio, principalmente, no Mediterrâneo ocidental, litoral norte da África (Cartago), Calábria, Sicilia e Espanha (Gades). Conseguiram ultrapassar o estreito de Gibraltar e alcançaram as ilhas Canárias, a Gália e as ilhas Britânicas. Contornando a África, chegaram a costa ocidental da Africa e a Índia, de onde importavam especiarias.
Existem especulações que tivessem também estado na costa do Rio de Janeiro, deixando inscrições, ainda existentes na Pedra da Gávea.

Das ilhas Britânicas (ilhas de Scilly e Sorlinga na costa sudoeste da Cornualha) importavam o minério de estanho (cassiterita), indispensável para fundir com o cobre e zinco e produzir bronze. Consta que faziam o escambo do minério trocando por cabeças de bovinos que deram origem a raça Devon, desenvolvida originalmente nesta região da Inglaterra.

Eram grandes comerciantes de escravos. Os negros vinham da Líbia, Núbia e da Etiópia. Os brancos eram capturados na Grécia e no Cáucaso onde havia muita oferta, até de crianças que os pais trocavam por pequenos objetos.

Foram juntamente com os Persas, os pioneiros na produção do caviar, iniciando a salga artesanal e a conservação das ovas de peixes. Nos anos 800 antes de Cristo, instalaram empórios em Málaga (Malaka), Almuñecar(Sexi), Adra (Abdera) na Espanha e em Tingis e Utica na costa da África.

Cada cidade soberana tinha o seu deus (Baal) ou sua deusa (Baalit). Os deuses de Biblos eram Eshmun (deus da saúde) e Adônis (deus da vegetação). Os de Tiro eram Melcart e Tanit. Todas as cidades também adoravam uma única deusa, a da Felicidade, chamada Astarte (Tanit em alguns lugares).  
Para o deus Melcart  de Tiro que também era adorado em Cartago, exigia-se o sacrifício anual de um jovem impúbere. Conta-nos Idel Becker2 (1910-1994)

 ‘Para aplacar a ira dos deuses sacrificavam animais. E às vezes, realizavam-se sacrifícios humanos. Queimavam-se, inclusive, os próprios filhos. Em algumas ocasiões, 200 recém-nascidos foram lançados, ao mesmo tempo, ao fogo- enquanto as mães assistiam impassíveis, ao sacrifício.’

Escreveu Antonella Spanò Giammellaro no texto ‘Os Fenícios e os Cartagineses’3 

’A carne consumida (pelos fenícios) provinha da criação de bois, carneiros e animais domésticos, assim como da caça. Esta, certamente, tinha apenas um papel complementar no que se refere à parcela de carne consumida na alimentação: a Bíblia raramente faz alusão a ela, e Sinuhé, o egípcio, fala da caça como alimento muito valorizado e destinado aos ricos. Ainda que a criação de carneiro, cabras e bois fosse muito comum na Fenícia, onde as regiões montanhosas oferecem extensas pastagens, o consumo da carne desses animais devia ser limitado e ocasional e reservado sobretudo à mesa real e as cerimônias do culto. (...)

Sobre os recursos alimentares de Cartago ela escreveu:

(...) A criação de gado - carneiros, cabras e vacas – fornecia o leite e seus derivados, mas a carne desses animais só era consumida em certas ocasiões. Nas estelas votivas norte africanas, ao lado de carneiros (capados ou não) de cauda curta e grossa – animais ainda hoje encontrados na Tunísia - , são representados animais domésticos como galinhas, pombos e coelhos, cuja carne, com certeza, era de uso mais corrente. As fontes clássicas nos ensinam que os fenícios do Ocidente abstinham-se de comer carne de porco, mas apreciavam a carne de cachorro, (...).
Os jumentos e as mulas eram criados para tracionar carros e transportar fardos. O cavalo como o conhecemos hoje, chegou à Fenícia durante o segundo milênio antes de Cristo e era utilizado apenas para a caça e a guerra. 

A criação de bois era a mais importante. Embora o consumo da carne destes animais não fosse permitido a todas as classes sociais. Muitos animais eram reservados para as oferendas aos deuses. Dos animais sacrificados em rituais religiosos, as vísceras eram distribuídas graciosamente ao povo, que ficava aglomerado em torno dos templos, aguardando ansiosamente o presente.

Os suínos não eram criados e nem a sua carne era consumida. Criavam-se também galinhas e avestruzes, estes por causa dos seus ovos que tinham as suas cascas transformadas em recipientes artísticos para uso doméstico, muitos com bonitas decorações. Foram os introdutores destes animais na Europa.

Em 1000 a.C. domesticaram os coelhos selvagens no norte da África e sul da Espanha. Desenvolveram a sua criação como fonte barata de proteína e o seu consumo se tornou comum em quase todos os países mediterrâneos4. Através dos Romanos, o hábito veio a ser difundido por todo o Império.

O sábio cartaginês Magon, no século I a.C, escreveu um tratado sobre a criação de gado na Fenícia, que foi  transcrito por Columela (?4-?70). Neste tratado existe a descrição de como deveria ser uma boa vaca: 

Deve ser nova, gorda, com grandes ancas, chifres compridos da cor preta, com uma cabeça ampla e enrugada, orelhas com pelo comprido, olhos e lábios negros, ventas bem abertas, cachaço comprido e musculoso, barbela que deve chegar aos joelhos, peito largo, amplos quartos dianteiros, grande barriga como a de um animal que está para ter crias, flancos compridos, dorso direito (plano ou com uma ligeira depressão), coxas redondas, pernas grossas e direitas, mais pequenas do que compridas, joelhos bem desenhados, patas grandes, cauda forte e longa, pelo curto e raso, de cor vermelha ou castanha, macio ao toque.’

Os Fenícios tinham o costume de comer o pão em forma de disco cobertos com carne e cebola. Era uma primitiva pizza5.

Na Bíblia, são chamados de Sidonitas (habitantes de Sidon)  e no livro de Ezequiel, é mencionado que os Sidonitas importavam da Arábia, cordeiros, carneiros e bodes. Homero (séc.IX a.C) relata em seus escritos, que eles importavam da Líbia, animais vivos, carne, leite e queijos.

Foram os Fenícios que criaram em 1000 a.C o alfabeto de 22 sinais, representando as consoantes. Este alfabeto foi assimilado e aperfeiçoado pelos Gregos, que acrescentaram as cinco vogais.
A decadência adveio no século VII a.C, quando a Fenícia foi submetida por assírios e Babilônios.

CARTAGO

Cartago, a mais importante colônia Fenícia foi estabelecida pelos conquistadores de  Tiro em 814 a.C.

Conta a lenda que a fundadora foi Dido ou Elissa, filha de Belus o rei de Tiro e irmã de Pigmalião. Ela tinha sido casada com Acerbas, seu tio que tinha grande fortuna. Acerbas foi  assassinado por Pigmalião. Dido com todos os seus tesouros secretamente partiu de Tiro acompanhada por alguns nobres e passaram a contornar a costa da África. Escolheu um lugar para atracar e perguntou aos habitantes do local quanto queriam por uma área que pudesse ser coberta com um couro de boi. Por um ínfimo preço foi aceito a sua proposta para adquirir uma área e ela ordenou que o couro fosse cortado em tiras fininhas e uma grande área foi coberta6. Foi construído um forte no porto ao redor do qual desenvolveu Cartago.
Em grego o nome da cidade era ‘Bursa’, derivado de ‘byrsa’ que significa ‘couro de boi’, em razão deste episódio.

A cidade desenvolveu muito e chamou a atenção de toda a vizinhança. O rei Hiarbas, um rei de um povo  vizinho, enciumado pela prosperidade de Cartago, interessadamente pediu a mão de Dido em casamento, ameaçando que se não fosse aceito declararia guerra a cidade.  Dido, porém tinha jurado amor e fidelidade eterna ao seu falecido marido Acerbas e para evitar que acontecesse algo a Cartago, ordenou a construção de  uma pira onde se encaminhou por sua livre e expontânea vontade e na presença de todo o povo ofereceu-se para ser queimada.7

Eram grandes navegadores e aventureiros. Na Espanha, em 654 a.C.,fundaram Ibiza (Eubussus).
Os Cartagineses fizeram grandes expedições em busca de ouro além das colunas de Hércules (estreito de Gibraltar), alcançando as ilhas Britânicas e o golfo de Guiné. 
Em meados do século VI a.C, saiu de Cartago uma expedição de 60 navios, comandados por Hanon (?500-?440 a.C). Viajando sempre no sentido oeste, atravessou as Colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) e passou a explorar a costa norte e ocidental da África, até o golfo de Guiné. Hanon relatou o encontro de estranhas criaturas com feições humanas e cobertas de pelo. Foi o primeiro encontro com um gorila. No seu retorno, realizou no Marrocos uma aquisição de especiarias, tecidos e ouro.

Caravanas de camelos carregadas de mercadorias partiam de Cartago atravessavam o deserto do Saara com destino ao sul, voltando depois, com pedras preciosas, ouro e marfim.

O povo Cartaginês apreciava a carne de cachorro, que era de uma espécie própria criada para ser abatida. Cultivavam trigo, oliveiras e uvas das quais preparavam bons vinhos.


Esta colônia  fenícia tornou-se tão poderosa que a partir do século VI antes de Cristo, veio a sobrepor a própria Metrópole. Cartago chegou a ter o triplo da população de Roma. Disputou com o império romano o controle do mar Mediterrâneo, contra o qual enfrentou três longas guerras, as chamadas Guerras Púnicas, vindo a ser definitivamente  derrotado apenas  na terceira, em 146 a.C por Cipião Emiliano, o Africano (184/185 a.C-129 a.C), que destruiu Cartago.  As guerras ganharam o nome de Púnicas, por que os Romanos chamavam os Cartagineses de ‘punici’, que provem de ‘Poenici’, isto é ‘da Fenícia’.




[1] A tintura era obtida de um molusco gastrópode (múrice) que era coletado nas costas.
[2] Na ‘Pequena Historia da Civilização Ocidental’- 1971- Companhia Editora Nacional-São Paulo.
[3] Incluído no livro  ‘História da Alimentação’ sob direção de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, Editora Estação Liberdqde, São Paulo, 1998
[4] Na França chegou a ser o seu consumo um direito exclusivo dos senhores feudais.
[5] Segundo o professor da USP, Gabriel Bollaffi, a teoria mais importante sobre a origem da pizza, diz que os Fenícios, três séculos antes de Cristo, costumavam acrescentar coberturas de carne e cebola ao pão em forma de disco (pão sírio). Os turcos muçulmanos também adotaram este costume durante a Idade Média. Com o advento das cruzadas esta prática de acrescentar cobertura ao pão sírio, chegou a Itália pelo porto de Nápoles. Lá os italianos incrementaram o pão com diversos tipos de cobertura como o queijo e, mais tarde, após a descoberta da América, o tomate, desta maneira originando a pizza.
[6]  Outra versão relata que Dido ganhou de presente dos nativos a área que um couro de boi pudesse cobrir.
[7] Virgílio, errôneamente coloca Dido como comtemporânea de Enéas, embora  cronologicamente mais de 3 séculos  os separe, e relata que Dido ficou tão apaixonada por Enéas que por não ter sido aceita, suicidou-se e foi cremada numa pira.




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