GEOGRAFIA DA FOME







































Com a apresentação, sob a forma de grandes manchas impressionistas, das áreas de subnutrição do Centro e do Sul, completa-se a caracterização do mosaico alimentar do país. Através deste panorama verifica-se a veracidade do título e das premissas deste volume: o Brasil é realmente um dos países de fome no mundo atual. Tanto em seus quadros regionais como em seu conjunto unitário, sofre o Brasil as duras conseqüências dessa condição biológica aviltante de sua raça e de sua organização social.


Não vamos, para completar o quadro do conjunto brasileiro, enfileirar aqui dados estatísticos comprovantes dessa miséria alimentar. Embora esses números enchessem a vista de certos tipos de leitores, resolvendo as suas dúvidas com uma simples comparação de cifras, e satisfazendo a sua curiosidade estatística, não nos tenta o método. Este ensaio não visa propriamente a uma análise do problema em seus aspectos quantitativos, mas, principalmente, em seus aspectos qualitativos.1 O método estatístico com sua tendência substancial para os grandes agrupamentos e para a homogeneização dos fatos não nos poderia dar em seus painéis genéricos uma noção exata de certas [pg. 279] nuances, das infinitas gradações de cores de que se reveste o fenômeno, nos dois sentidos, no vertical e no horizontal, na ampla superfície de sua área territorial e nas diferentes capas sociais que estruturam a nacionalidade. Esta a razão pela qual os dados estatísticos apenas participam deste ensaio como matéria-prima, a ser sempre que possível manipulada e transformada em argumentos explicativos sem que o seu texto se ressinta de um certo peso das notas explicativas, visando penetrar um tanto mais a fundo a essência de fenômeno, tão cambiante e polimorfo, como o da fome em sua expressão social.2


Apesar desta constante fuga do fenômeno em se deixar apanhar em sua totalidade, pode-se, no entanto, tirar da observação de seus aspectos parciais uma noção mais ou menos concisa da sua expressão total.

A fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários setores de nossas atividades, é conseqüência, antes de tudo, de seu passado histórico, com os seus grupos humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa, portanto, da agressividade do meio, que iniciou abertamente as hostilidades, mas, quase sempre, por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil. [pg. 280] Aventura desdobrada, em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou, pelo menos, desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da cana-de-açúcar, o da caça ao índio, o da mineração, o da “lavoura nômade”, o do café, o da extração da borracha e, finalmente, o de certo tipo de industrialização artificial, baseada rio ficcionismo das barreiras alfandengarias e no regime de inflação. É sempre o mesmo espírito aventureiro se insinuando, impulsionando, mas logo a seguir corrompendo os processos de criação de riqueza no país. É o “fique rico”, tão agudamente estigmatizado por Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil. È a impaciência nacional do lucro turvando a consciência dos empreendedores e levando-os a matar sempre todas as suas “galinhas de ovos de ouro”. Todas as possibilidades de riqueza que a terra trazia em seu bojo.


Em última análise, esta situação de desajustamento econômico e social foi conseqüência da inaptidão do Estado Político para servir de poder equilibrante entre os interesses privados e o interesse coletivo. Ou mesmo pior, entre os interesses nacionais e os dos monopólios estrangeiros interessados em nossa exploração de tipo colonial. Foram os interesses alienígenas que predominaram, orientando a nossa economia para a exploração primária da terra e para a exportação das matérias-primas assim obtidas. Desenvolveu desta forma o Brasil a sua vocação oceânica, exportando toda sua riqueza potencial — a riqueza do seu solo e de sua mão-de-obra — por preços irrisórios. E não sobrando recursos para atender as necessidades internas do país: bens de consumo para o seu povo e equipamentos para o seu progresso.
Orientada a princípio pelos colonizadores europeus e depois pelo capital estrangeiro expandiu-se no país uma agricultura extensiva de produtos exportáveis ao invés de uma agricultura intensiva de subsistência, capaz de matar a fome do nosso povo.


Os governos se mostraram quase sempre incapazes para impedir esta voraz interferência dos monopólios estrangeiros na marcha da nossa economia. Com uma total incapacidade do seu poder político para dirigir, em moldes sensatos, a aventura da colonização e da organização social da nacionalidade, a princípio por sua tenuidade e fraqueza potencial diante da fortaleza e independência dos senhores de terras, manda-chuvas [pg. 281] em seus domínios de porteiras fechadas,3 indiferentes aos regulamentos e às ordens do Governo que viessem a contrariar seus interesses; e ultimamente, num contrastante exagero noutro sentido, no excesso centralizante do poder, tirando das unidades regionais quase todas as receitas e todos os direitos para depô-los nos braços, um tanto curtos, em espalhar benefícios, do poder central. Sempre, pois, atuando o governo com uma noção inadequada do uso da força política para levar a bom termo a empresa administrativa de tão extenso território.


Em face da fraqueza do poder político central, os interesses colonialistas manipularam no sentido de que o progresso econômico se limitasse a ampliar os lucros de um pequeno número de proprietários agrícolas, associados em sua aventura colonial, sem atingir entretanto o conjunto da população. Conforme acentuou muito bem o economista Gunnar Myrdal, as grandes potências sempre utilizaram nos países subdesenvolvidos para seu fins de exploração colonial “os próprios grupos oligárquicos, interessados eles próprios na manutenção do statu quo político e social”4 e portanto infensos ao verdadeiro desenvolvimento emancipador. Por outro lado, conseqüência da centralização e da política de fachada da República5 foi o quase abandono do campo e o surto de urbanização que se processou entre nós a partir dos fins do século passado. Urbanização que, não encontrando no país nenhuma civilização rural bem enraizada, com uma exploração racional do solo, veio acentuar de maneira alarmante [pg. 282] a nossa deficiência alimentar. Não é que a urbanização seja um mal em si mesma. Ela representa uma fase de transição obrigatória entre a economia agrária pura e a agro-industrial.

Nos Estados Unidos, o fenômeno ocorreu e em volume mais violento de mobilidade social do que entre nós, sem, contudo, desequilibrar a alimentação daquele país. Ao contrário, foi um fator de estímulo da agricultura e da pecuária. Foi o surto de industrialização e concentração urbana do Leste norte-americano que deu lugar à agricultura intensiva de cereais e a pecuária do middle-west e que fez da Califórnia o primeiro estado agrícola da União, com o seu cultivo de frutas e de verduras. Entre nós o desequilíbrio se deu acentuando males sempre existentes desde o dia em que os primeiros aventureiros europeus, financiados em grande parte pelo capital judaico,6 resolveram criar nestas terras da América a indústria do “fique rico depressa” para uns poucos e que foi, ao mesmo tempo, a “indústria da fome” para a maioria.


É mesmo esta a característica essencial do desenvolvimento econômico do tipo colonialista, bem diferente do desenvolvimento econômico autêntico de tipo nacionalista. O colonialismo promoveu pelo mundo uma certa forma de progressos, mas sempre a serviço dos seus lucros exclusivos, ou quando muito associado a um pequeno número de nacionais privilegiados que se desinteressavam pelo futuro da nacionalidade, pelas aspirações políticas, sociais e culturais da maioria. Daí o desenvolvimento anômalo, setorial, limitado a certos setores mais rendosos, de maior atrativo para o capital especulativo, deixando no abandono outros setores básicos, indispensáveis ao verdadeiro progresso social. Como conseqüência desta visão egoística do progresso econômico se constituiu em vários países de economia dependente o que alguns sociólogos chamaram de uma “estrutura social [pg. 283] dualista”7 com a superposição de um quadro social bem desenvolvido sobre outro quadro de total estagnação econômica. Ainda hoje, perdura em certos meios uma atitude mental fiel às tradições colonialistas inclinada a conceber o progresso econômico em termos de lucros a curto prazo ou de simples injeção de dólares para exploração imediata de certos recursos mais abundantes. A dualidade estrutural da civilização brasileira — os dois Brasis de Jacques Lambert8 — constitui a nossa herança viva, a sobrevivência deste comportamento político que nos impuseram os colonialistas europeus desde o século XVI. E do qual só agora nos estamos libertando.


Sob o influxo desta política antinacional cultivaram-se com métodos vampirescos de destruição dos solos os produtos de exportação, monopolizados por meia dúzia de açambarcadores da riqueza do país, construíram-se estradas de ferro exclusivamente para ligar os centros de produção com os portos de embarque destes produtos e instituiu-se uma política cambial a serviço destas manipulações econômicas. Por trás desta estrutura com aparência de progresso — progresso de fachada — permaneceram o latifúndio improdutivo, o sistema da grande plantação escravocrata, o atraso, a ignorância, o pauperismo, a fome.


Outro aspecto do nosso desenvolvimento, pouco favorável à melhoria das condições alimentares, tem sido o relativo abandono a que foram relegadas as regiões mais pobres do país, onde a fome grassa na mais alta proporção. É justo que sendo escassos os recursos de um país que procura desenvolver-se, principalmente com suas próprias poupanças, não se pode espalhar estes recursos limitados, sem um rigoroso critério de prioridades. Este critério se impõe para não diluir as possibilidades dos investimentos ao nível da inoperância e da improdutividade. Mas, este critério não pode ser o de concentrar todos os recursos nas áreas mais adiantadas, onde já existem centros germinativos em expansão, deixando à margem extensas áreas potencialmente capazes de participar do processo econômico. E foi isto o que aconteceu. A filosofia do desenvolvimento brasileiro nos últimos anos foi concebida dentro desta idéia de desenvolver mais o [pg. 284] já desenvolvido e não de integrar no sistema econômico nacional as aluais áreas marginais, tais como o Nordeste e a Amazônia. O caso do Nordeste é o mais alarmante porque aí se concentra um terço da população brasileira, que vive em condições econômicas bem precárias, como tive ocasião de demonstrar. E no entanto toda a política econômica brasileira conspira contra a verdadeira integração econômica desta área do país. Neste capítulo, a política federal se tem limitado a certa proteção à economia açucareira que nunca poderá sozinha emancipar o Nordeste e à política paternalista do “ajuda-o-teu-irmão” nas épocas calamitosas da seca. Ajuda essa que se tem manifestado ineficaz, mesmo como simples procedimento assistencial, beneficiando mais certos grupos apaniguados do que propriamente as vítimas do flagelo. O que o Nordeste necessita é bem diferente. É um tratamento do governo federal que não seja o de uma metrópole em face de uma colônia.


André Philip, falando da situação dos países subdesenvolvidos em face das grandes potências, diz que aqueles não precisam de ajuda ou assistência financeira para se desenvolverem, que o que eles estão a exigir é o respeito econômico à sua economia. Mais respeito do que ajuda. Dentro do Brasil se passa a mesma coisa. Faz-se necessário que as áreas mais ricas, de maior poder, tanto econômico como político, tenham mais respeito pelas regiões mais pobres e procurem cooperar para sua emancipação, em benefício da nacionalidade. Não são estas palavras manifestações inconsistentes daquilo que condenamos neste mesmo livro, da chamada ação-lamento ou lamúria. Não. Não desejamos separar o Brasil com muros de lamentações. Desejamos unificá-lo cada vez mais, cimentando num só sistema a sua economia fragmentada. Para isto temos que derrubar as muralhas de velhos preconceitos, como este de que estas áreas mais pobres do país são áreas irrecuperáveis, quando apenas o que tem faltado ao seu progresso são condições históricas favoráveis, são circunstâncias econômicas que venham ao encontro de suas potencialidades. O Nordeste não está condenado irremediavelmente à pobreza e o seu povo à fome, por qualquer forma de determinismo inexorável, mas, porque no jogo das variáveis econômicas, a política colonial que se afrouxou mais no Sul ainda se mantém bem arroxada na região nordestina, simples produtora de matérias-primas e produtos de base. Chego às vezes a pensar que o que mais tem faltado ultimamente ao Nordeste é um pouco mais de força política — liderança — [pg. 285] para reivindicar em termos dialéticos, e não de súplica, os seus direitos humanos. Se o Nordeste, ou melhor, todo o Norte reunido, advogasse uma política cambial de exportação, de tarifas e de crédito que não lhe fosse tão nociva ou injusta, beneficiando apenas a economia de outras áreas do país, a sua economia se expandiria bem mais depressa do que através de limitados créditos orçamentários que são simples grãos de areia, caindo num mar de miséria e portanto incapazes de cimentar qualquer coisa de realmente sólido. Darei apenas dois exemplos, mas que me parecem bem demonstrativos do tratamento discriminatório que recebe a economia nordestina. O primeiro está ligado ao problema das exportações dos seus produtos de base, tais como o cacau, o açúcar, a carnaúba, o algodão, os óleos e certos minérios, gerando um bom volume de divisas estrangeiras para a nossa economia. Ora, esta parcela de divisas assim geradas não tem beneficiado o Nordeste senão em pequena parcela, porque o seu grosso é drenado pelo estado, para equipar a indústria do Sul e às vezes, ainda pior, para cobrir a importação de produtos de luxo, ostentatórios — cadillacs e perfumes — com que os países subdesenvolvidos pensam cobrir a sua miséria, mas apenas evidenciam de forma mais gritante o seu subdesenvolvimento. Porque subdesenvolvimento é exatamente isto: é desnível econômico, é disparidade entre os índices de produção, de renda e de consumo entre diferentes camadas sociais e diferentes regiões que compõem o espaço sócio-geográfico de uma Nação.


Promover o desenvolvimento econômico-social autêntico será antes de tudo procurar atenuar esses desníveis, através de uma melhor distribuição da riqueza e de um mais justo critério de investimentos nas diferentes regiões e nos diferentes setores das atividades econômicas do país.
Os planos de desenvolvimento econômico postos em execução pelo atual Governo, embora com o patriótico objetivo de promover em ritmo acelerado o desenvolvimento econômico do país, não tem proporcionado, entretanto, os instrumentos adequados a esse nivelamento reequilibrante do conjunto econômico nacional, e por isto não tem contribuído com a necessária eficácia para eliminar a fome de certas áreas do país.


Outro exemplo eloqüente a apresentar é o cotejo das cotas de financiamentos levadas a efeito pelo órgão criado com o fim [pg. 286] precípuo de promover o desenvolvimento econômico do país: o Banco Nacional de Desenvolvimento. Nos últimos cinco anos este Banco que deu atendimento de crédito, numa proporção de 49% para a Região do Leste, e 41% para a Região do Sul, apenas concedeu ao Nordeste cerca de 4% do total de seus financiamentos.


É esta economia de dependência, de dependência total do Nordeste e da Amazônia ao sistema econômico de outras áreas do país, que mantém inalteráveis as manchas negras da fome nessas áreas.
Depois de quatro séculos de ocupação humana vamos encontrar um país que se dizia agrícola e que apenas dispõe de cerca de 2% de suas terras trabalhadas no cultivo de utilidades e dessa área insignificante só a terça parte se destinando à pro-dução de gêneros alimentícios. Dessa produção insuficiente resultam naturalmente coeficientes de consumo per capita que só podem figurar, quando figuram, no fim das listas de consumo das tábuas internacionais, principalmente no que diz respeito aos alimentos protetores — à carne, ao leite, ao queijo, à manteiga, às frutas e às verduras. O nosso consumo de carne é de 55 kg per capita e por ano, enquanto que esse consumo atinge 136 kg na Argentina, 107 na Nova Zelândia, 62 nos Estados Unidos da América, 64 na Inglaterra e 57 na Dinamarca. O consumo de leite é ridiculamente insignificante: 37 litros por ano, ou seja, cerca de 100 g por dia. Tal consumo atinge as cifras de 164 litros na Dinamarca, 108 nos Estados Unidos, 101 na Austrália e 95 na França. Igual insignificância encontramos no consumo das demais fontes de proteínas: queijo e ovos; 600 g de queijo, quando na Dinamarca se consomem 5,5 kg. A manteiga é consumida entre nós na mesma quantidade que o queijo — 600 g —, enquanto que os Estados Unidos, a Inglaterra e a Dinamarca consomem, respectivamente, 18, 10 e 8 kg. O consumo dos restantes alimentos protetores ocupa idêntica posição nos quadros estatísticos mundiais: são dos mais baixos do mundo.


Interpretando estes dados à luz dos conhecimentos já expostos anteriormente, deduz-se da situação global da alimentação do nosso povo.
Não é este um quadro histórico de nosso passado, mas um retrato da realidade social vigente. Desta complexa e confusa [pg. 287] realidade social brasileira, que justifica o título dado por Roger Bastide a um seu livro: Brasil, Terra de Contrastes.9


De contrastes atordoantes, como este evidenciado entre o esplendor da vida urbana de algumas de nossas metrópoles e o atoleiro social, o marasmo da vida agrária em torno destas metrópoles. Contrastes como este de possuirmos uma indústria de alto padrão moderno e uma agricultura de índole feudal, apegada à rotina, a mais conservadora. Assim é o Brasil. Assim se explica porque, apesar de todos os nossos surpreendentes sucessos no campo do progresso econômico, de nossa indústria pesada, de nossa indústria de automóveis, de Brasília e de outras metas surpreendentemente alcançadas, ainda somos um país de fome, ainda somos uma das grandes áreas da geografia universal da fome.


É verdade que esta larga mancha negra da fome se atenuou um pouco em certos pontos, se retraíram os seus limites noutros, mas o quadro geral perdura mais ou menos idêntico. Ganhou-se nos últimos anos uma melhor consciência da rea-lidade do problema. Governo e povo debatem a matéria.


Conhecem-se melhor os princípios essenciais da higiene alimentar. Mas, pouco foi obtido, como resultados concretos, para melhorar de fato a nossa situação alimentar. E em certos períodos e sob certos aspectos, esta situação parece até se agravar em face do surto de desenvolvimento industrial por que atravessa o país. É como se os responsáveis pelos destinos do Brasil não tivessem ainda tomado a peito a solução do problema, atacando-o em suas raízes com coragem e decisão. Mesmo os governos mais empe-nhados em nossa emancipação econômica não tiveram ainda sucesso neste setor vital para o bem-estar social do nosso povo. Vejamos o que se tem passado em nossos dias em termos de esenvolvimento econômico nacional.


O desenvolvimento econômico constitui hoje uma idéia-força dinamizando a vontade de nosso povo, desejoso de participar ativamente nesse processo de transformação de nossa economia e atento em controlar de perto os resultados desse esforço coletivo.


Essa transformação de nossa economia que a partir de 1930 começou a se integrar num sistema próprio com capacidade [pg. 288] de desenvolvimento autônomo vem acelerando o seu ritmo de expansão depois da última guerra mundial. Pelo cotejo de certos dados de semiologia econômica é possível avaliar-se o impulso de nosso desenvolvimento, o qual se mostra em certos setores bastante promissor. Basta verificar-se que o índice de produção real do país duplicou nos últimos 15 anos, logrando a produção industrial um aumento de cerca de 190%, enquanto que a agricultura apenas cresceu em 40%. O país industrializa-se e cresce, desta forma, a sua capacidade produtiva. Resta saber com que eficiência está sendo utilizada esta capacidade produtiva. É a medida dessa eficiência que melhor revela a adequação ou inadequação de um plano de desenvolvimento econômico, porque depende em larga escala da validez dos critérios que orientam os investimentos, o ritmo de expansão de um sistema econômico.


O que está ocorrendo no Brasil: qual a intensidade do nosso crescimento econômico e quais os fatores que estão porventura freando o seu impulso produtivo?
O desenvolvimento econômico do Brasil, quando medido através dos índices da renda média per capita, não pode ser contestado. Mas, se procurarmos auferi-lo, através da distribuição real das rendas pelos diferentes grupos sociais, mostra-se ele então bem menos efetivo. E a verdade é que o progresso social não se exprime apenas pelo volume da renda global ou pela renda média per capita, que é uma abstração estatística, e sim por sua distribuição real.


E esta distribuição, em lugar de melhorar, de mostrar sua tendência a uma benéfica dispersão, cada vez mais se concentra em certas áreas e nas mãos de certos grupos. Faltou ao Governo a coragem de tocar nas estruturas de base, causadoras deste desequilíbrio, e de promover, com o processo de desenvolvimento, este nivelamento reequilibrante do conjunto econômico do país.
Mesmo industrializando-se, a nossa economia seguiu os difames de uma economia de tipo colonial, politicamente desinteressada pela sorte da maioria, apenas ocupada em desenvolver mais o já desenvolvido e em enriquecer mais os já enriquecidos pelo sistema vigente. E é neste aspecto desequilibrante que o nosso desenvolvimento econômico não corresponde a um autêntico desenvolvimento social, que representa a autêntica aspiração das massas brasileiras. [pg. 289]


Longe disso. Em certos aspectos, a política de industrialização intensiva concentrada na região Sul do país, onde já existia um sistema econômico integrado por uma economia de exportação à base do café e uma incipiente economia industrial, acentuou e agravou ainda mais os desníveis já existentes. O desnível regional entre a área do Sul e as do Norte e Nordeste e o desnível setorial entre a indústria e a agricultura. Na verdade, o desnível entre as regiões não é senão a projeção em áreas geográficas do desnível setorial entre a economia agrícola e a economia industrial. É esse desnível setorial que merece neste nosso ensaio o maior interesse, porque ele constitui, a nosso ver, a mais grave distorção na dinâmica de nosso desenvolvimento econômico e o principal fator de estrangulamento da industrialização do país, a qual constitui uma meta fundamental do desenvolvimento. Todo o processo de desenvolvimento dirigido, num país subdesenvolvido, cria automaticamente uma série de desequilíbrios que exige a todo o momento a ação de medidas corretivas. O sociólogo Costa Pinto acentua muito bem o fato de que “nas estruturas sociais dos países menos desenvolvidos não é a falta ou ausência de mudanças o traço essencial, mas sim o fato das diversas partes dessas estruturas mudarem em ritmos diferentes, gerando assimetrias e distorções, contradições e resistências”.10


Daí a impossibilidade de importar-se modelos pré-fabricados de desenvolvimento para aplicar-se in loco como transposição válida da experiência de outros povos. Cada sistema econômico em expansão se orienta de maneira original e até certo ponto imprevisível, em face das possibilidades das virtualidades das diferentes áreas geo-econômicas.


No caso brasileiro, a distorção mais acentuada tem sido o atraso da agricultura em relação ao progresso do setor industrial. É verdade que alguns contestam este fenômeno, referindo-se ao fato de que a agricultura tem crescido no Brasil num ritmo mais acentuado que a população, numa relação de 3 para 2. Ora, este argumento é extremamente fraco. É preciso não esquecer que os padrões alimentares do Brasil sempre foram dos mais baixos do mundo, com o subconsumo global de calorias e o subconsumo específico de vários produtos alimentares, principalmente [pg. 290] dos alimentos protetores. A produção de alimentos, no Brasil sempre esteve longe de dar atendimento às necessidades vitais de nossa população, apenas atendendo às necessidades solváveis, limitadas em extremo pela baixa capacidade aquisitiva de nosso povo. E claro que melhorando esta capacidade aquisitiva com a industrialização em marcha, aumenta sobremodo a demanda de alimentos exigindo um crescimento da produção agrícola em índices bem mais altos do que os obtidos até o presente. É bom também lembrar que o setor agropecuário fornece até hoje 60% das matérias-primas duma expansão paralela do volume destas matérias-primas.


Mas o atraso da agricultura se revela muito mais nitidamente, não através do volume da produção, e sim através dos seus índices de produtividade, que são dos mais baixos do mundo. De produtividade do trabalhador agrícola e de produtividade da terra cultivada. É o baixo rendimento do homem rural brasileiro que faz com que sejam necessários dez milhões de trabalhadores para cultivar apenas vinte milhões de hectares de terra, enquanto nos Estados Unidos oito milhões de homens cultivam 190 milhões de hectares, ou seja, uma área dez vezes mais extensa. A produtividade da terra em seus produtos tradicionais também se revela comparativamente em situação bem desfavorável; assim a produtividade média por hectare da cana-de-açúcar é de 38 toneladas no Nordeste, contra 70 em Porto Rico: a de algodão em rama é de 0.070 toneladas no Nordeste. 0.214 em S. Paulo e 0.304 nos EUA: a de milho é de 0.676 toneladas no Nordeste, 1.402 em Minas Gerais e 2.271 nos EUA, e assim por diante. A fraqueza e o atraso da economia agrícola no Brasil constituem-se, desta forma, como fatores de amordaçamento de toda a economia nacional, freando o próprio ritmo de industrialização, através de vários mecanismos.


Através das matérias-primas escassas e do alto custo de produção, a agricultura se constitui indiscutivelmente como um fator de estrangulamento de um largo setor das indústrias de transformação. Idêntico efeito ocorre em face da escassez e dos altos preços dos produtos de subsistência, impondo o estabelecimento de salários para os trabalhadores da indústria que oneram, sobremodo, o custo da produção industrial, sem que ao menos permitam ao trabalhador a obtenção de um tipo de dieta racional capaz de melhorar os seus índices de produtividade. [pg. 291] E dificultando ainda em maior escala a formação de grandes parques industriais, cujo abastecimento passa a constituir a maior dor-de-cabeça dos planificadores e dos homens de empresa, em certas áreas do país. O marginalismo econômico a que ficou relegado o homem do campo, com sua capacidade aquisitiva quase nula, não permite a formação de um mercado interno capaz de absorver a crescente produção industrial. As migrações internas, os altos graus de mobilidade social do campo para a cidade, supersaturando os núcleos urbanos com grandes massas humanas improdutivas, células economicamente mortas, infiltradas dentro da textura social, vêm onerar terrivelmente o erário público com os indispensáveis serviços sociais, cujo alto custo absorve necessariamente uma grande parcela de recursos que deveriam ser aplicados em investimentos reprodutivos.
É todo um conjunto de forças de contenção, oriundas do atraso da economia rural brasileira, a se constituírem como fatores de limitação do nosso desenvolvimento econômico.


Não tenho a menor dúvida de que é por culpa deste lamentável desequilíbrio que se começa a verificar um relativo recesso no ritmo de expansão de nossa indústria nos últimos três anos, exatamente quando maior tem sido o contingente de esforço e recursos concentrados na promoção do nosso desenvolvimento industrial. Já não é segredo, nem produto de pura especulação dos economistas, que vários setores industriais atingiram os limites da saturação do mercado interno, impondo a limitação de sua produção e dando origem ao desemprego que cresce em certos núcleos urbanos.


Urge corrigir este desequilíbrio que está a ameaçar todo o esforço de integração de nosso sistema econômico, fazendo-o perder uma boa parte da substância de sua capacidade produtiva. E isto só poderá ser obtido através de um melhor atendimento público às necessidades mais prementes da economia agrícola. Constitui um grave risco contar com as forças do automatismo para corrigir esta distorção, baseando-se na premissa de que o progresso industrial, ao atingir certo nível, provocará automaticamente o progresso rural. Falsa premissa no campo da realidade social que apenas perdura como uma sobrevivência dos princípios da economia liberal, na qual a “mão invisível” invocada por Adam Smith asseguraria sempre, através da livre concorrência, o restabelecimento da “ordem natural”. [pg. 292]


Ora, pensar assim é negar a eficiência da planificação econômica, é abdicar das possibilidades que hoje dispomos de dirigir o desenvolvimento econômico para metas definidas e não nos deixarmos ser arrastados aos acasos das aventuras mercantis. Com razão afirma o economista chinês Pei-Kang-Chang11 que o desenvolvimento industrial por si só não é bastante para conduzir a uma reforma da economia agrária. É um ingrediente necessário mas não suficiente para provocar a transformação da vida econômica rural. Mas, mesmo admitindo o fato discutível de que alcançado certo nível de desenvolvimento industrial o impacto econômico viesse a impulsionar o setor da agricultura, resta um ponto importante a esclarecer: qual seria este nível e que garantias teremos de que poderíamos alcançá-lo, quando o nosso desenvolvimento é amordaçado e estrangulado pela subprodutividade e pelo subemprego de dois terços de nossa população ativa, que vegetam no campo da agricultura?


Este relativo abandono da agricultura se revela nos índices de crescimento da produção agropecuária que se apresenta ronceiro, de ritmo bem inferior ao desejável, para acompanhar a expansão econômica do país. Se não vejamos: de 1948 a 1958, enquanto o produto nacional bruto per capita cresceu de 29%, a produção agropecuária apenas cresceu em 15%, ou seja, em cerca de 1,5% ao ano, que apenas dá para cobrir o aumento natural da nossa população.12
E devemos ainda referir o fato de que em alguns desses anos, como em 1958, este aumento reflete mais o incremento da produção dos produtos de exportação, principalmente o café, do que dos produtos de subsistência para consumo nacional.
É claro que esta distorção econômica vem pesando terrivelmente na situação alimentar de nosso povo, acentuando o fenômeno da inflação, que se exterioriza principalmente na alta dos preços dos gêneros alimentícios.


Bastariam algumas cifras para mostrar a marcha avassaladora desse processo inflacionário. Nos anos de 1956 a 1959, o custo de vida aumentou nos seguintes índices 20.8, 16,0, 14.9 e 39.1%.13 Ora, um aumento do custo de vida de cerca de 40%, como este do ano de 1959, consome inteiramente as disponibilidades [pg. 293] das classes assalariadas, que são forçadas a um regime de terríveis restrições pela perda do valor aquisitivo dos seus salários. E aí se encontra a explicação de que seja no proletariado urbano que se evidencia esta verdadeira epidemia de carências proteicas infantis — o kwaskiorkor — porque os alimentos protetores contra esta doença, principalmente o leite, foi se tornando inacessível a este grupo social. E isto apesar dos reajustamentos salariais que chefiam sempre atrasados e em níveis inferiores aos alcançados pela espiral inflacionária.


Como interpretar esta situação que perturba seriamente a marcha do nosso desenvolvimento? Como uma crise normal de crescimento da nacionalidade, embora perigosa pelos riscos de um desequilíbrio por demais profundo.


O desenvolvimento econômico constitui a única solução real ao problema do subdesenvolvimento, com suas características fundamentais do subemprego, da subprodutividade e do pauperismo generalizado. A tomada de consciência da realidade social brasileira por parte do nosso povo incutiu no espírito das massas esta idéia-força de que só através do nosso desenvolvimento econômico real nos libertaremos da opressão e da escravidão econômica que esmagam a maioria de nossas populações. Ninguém pode ter hoje outra atitude que a de aspirar e cooperar para que se processe, em ritmo acelerado e sem distorções, o desenvolvimento econômico do nosso país. Pensar diferentemente é servir aos interesses antinacionais, é fazer o jogo dos trustes internacionais, interessados em abafar o surto de progresso das regiões de economia primária, fornecedoras das matérias-primas para os grandes empórios industriais que dominam a economia mundial.
Representa a política de desenvolvimento, o que se chama necessidade histórica, um imperativo ao qual não podemos fugir.


Não devemos, pois, ter nenhuma reserva acerca da necessidade e da oportunidade de uma política desenvolvimentista para o Brasil. As nossas dúvidas e possíveis divergências se encontram no campo de execução desta política, nos elementos postos em jogo para dinamizar e orientar a nossa emancipação econômica. O atual Governo, desejoso de promover em ritmo acelerado a nossa expansão econômica, e impregnado da idéia de que só através da industrialização intensiva poderemos emancipar-nos economicamente, vem realizando o seu programa de metas, de forma a criar no nosso espírito uma certa apreensão. [pg. 294]


Apreensão de que o critério de prioridades para aplicação de nossas escassas disponibilidades econômicas não seja o critério ideal. Somos daqueles que julgam necessário promover o desenvolvimento industrial, sem contudo sacrificar exageradamente os investimentos no setor da economia agrária. Concentrar lodo o esforço apenas num setor é estimular um desenvolvimento desequilibrado, que começará dentro de algum tempo a sofrer o impacto do desequilíbrio e a retardar o seu ritmo de expansão. A economia planificada deve agir sobre todo um sistema econômico integrado a fim de evitar os desequilíbrios que se constituem com o tempo em fatores de estrangulamento. No atual momento da conjuntura econômica brasileira começamos a presenciar o fato inegável de que o atraso da agricultura nacional se constitui como um fator de estrangulamento da própria economia industrial. Só poderemos manter o ritmo de expansão da indústria brasileira e dar-lhe garantia de sobrevivência se cuidarmos melhor de expandir e de consolidar a nossa economia agrícola. Temos que insistir muito neste aspecto porque o consideramos primacial nos nossos planos de desenvolvimento. Arriscamo-nos mesmo em nossa insistência a desafiar a paciência dos nossos leitores, repisando argumentos demonstrativos de quanto pode custar ao bem-estar dos brasileiros este grave marginalismo da nossa economia agrária. Mantendo a estrutura aluai de nossa economia agrícola, cujos índices de produtividade são dos mais baixos do mundo, torna-se bem difícil obter-se as matérias-primas necessárias a uma indústria capaz de concorrer nos mercados mundiais e obter os meios de subsistência para alimentar as massas trabalhadoras dos grandes parques industriais. Além disso, a falta de um mercado interno para absorver a nossa crescente produção industrial exige medidas que venham a integrar no sistema econômico brasileiro a grande massa campesina, cerca de 70% da população brasileira, que vive hoje praticamente sem consumir nem mesmo o mínimo necessário à sua subsistência.


Este relativo descaso ao setor agrícola, justificável em parte pela escassez de recursos num país subcapitalizado e pela necessidade de concentrá-los ao máximo nos empreendimentos mais produtivos, nos bens de equipamento que venham emancipar o país, começa entretanto a constituir-se como uma grave ameaça ao nosso desejo de emancipação e ao gigantesco esforço de industrialização nacional. Basta verificar-se [pg. 295] que, nos últimos anos, o ritmo de expansão industrial sofreu um certo recesso e que nos grandes centros da indústria, como São Paulo, amplia-se o desemprego em face de uma superprodução relativa pela falta de mercado interno e em face da carestia dos altos cultos de produção impostos pela subida desordenada dos preços dos produtos de subsistência. É pela falta de amparo à economia agrícola que se desloca anualmente enorme massa humana do campo para as cidades, vindo a supersaturar a vida urbana, criando graves embaraços aos problemas de abastecimento e onerando terrivelmente o erário público com serviços assistenciais cujo custo desfalca necessariamente uma grande parcela de recursos que seriam mais bem aplicados numa política de produção agrária.


Desenho de Percy Lau
O que alguns sociólogos chamam de “cidades inchadas”, como a do Recife, com 200 mil marginais improdutivos, oriundos do interior, são uma demonstração evidente de que, longe de se atenuar, se vai agravando no Brasil nos últimos tempos o desequilíbrio entre a cidade e o campo. Como se agrava também o desnível entre a região industrializada do Sul e as regiões predominantemente agrícolas do Norte e do Nordeste do país, vindo a situação do Nordeste a constituir-se no mais grave problema nacional, ameaçando não só a nossa economia, mas mesmo a segurança nacional. Ao promover o desenvolvimento econômico do país fica o Governo um tanto perplexo diante do dilema do pão ou do aço, ou seja, de investir suas escassas disponibilidades na obtenção de bens de consumo ou de concentrá-las na industrialização intensiva, sacrificando durante um certo tempo as aspirações de melhoria social da coletividade. A tendência predominante entre os economistas é de que se deve concentrar de início todo o esforço no aço, ou seja, na industrialização, obrigando-se a coletividade a participar com seu sacrifício na obra de recuperação nacional. É o que se chama de pagar o custo do progresso indispensável à emancipação econômica. Devemos entretanto não exagerar este custo, não tender demasiado ao exclusivismo porque a realidade social não se cinge apenas no economismo puro, mais sim na expressão econômico-social de um povo.


A solução ao dilema não está no atendimento exclusivo ao pão ou ao aço, mas simultaneamente ao pão e ao aço, em proporções impostas em face dás circunstâncias sociais e das disponibilidades econômicas existentes. Todas as tentativas de exigir de qualquer coletividade um custo de progresso acima do [pg. 296] tolerável acarretam ressentimentos e tensões sociais ameaçadoras. Tenho a impressão de que o povo brasileiro hoje imbuído da idéia do desenvolvimento e do progresso social está disposto a dar sua cota de sacrifício, a fim de que o país se desenvolva e se emancipe economicamente. Mas é preciso que este povo esteja convicto de que o sacrifício está igualmente distribuído por todos os grupos e classes sociais que compõem a nacionalidade. E não estou muito seguro de que isso esteja acontecendo. Para levar a efeito o seu programa de desenvolvimento econômico deverá o Governo não só estar mais atento às necessidades dos grupos humanos que vivem no setor da agricultura, como também procurar promover uma melhor distribuição regional em matéria de crédito e investimentos a fim de que o gigante brasileiro não venha a crescer capenga ou torto. Se visarmos o desenvolvimento apenas de uma parte da Nação, imolando a esse novo Moloch as desvantagens e o desajustamento de outras áreas do país, ainda mais subdesenvolvidas, falsearemos o sentido do verdadeiro desenvolvimento econômico que constitui a aspiração máxima de todo o povo brasileiro.


Urge também que sejam tomadas medidas contra o excesso do poder econômico, de forma a distribuir melhor as cotas de sacrifício que hoje pesam quase que exclusivamente nas classes menos favorecidas, assoberbadas e consumidas em face do avassalante aumento do custo de vida. O Governo pode aparentemente desaperceber-se disto, mas o povo sente em sua carne os efeitos funestos da inflação que fez com que o valor aquisitivo de nossa moeda caísse em 1959 a 35 vezes menos do que era em 1914, ao começar a Primeira Guerra Mundial.


Diante desta rápida exposição, pode-se concluir que sendo imperioso o desenvolvimento econômico nacional, devem o Governo e o povo se unirem através de um processo de mútua confiança e de mútuo interesse a fim de que esse desenvolvimento não seja sacrificada em sua execução por certas falhas inevitáveis, é bem verdade, mas que devem ser corrigidas a tempo para evitar o desastre econômico do país. Não há dúvida que o Brasil dá no momento atual um grande salto em sua história social. O que precisamos evitar é que seja um salto no abismo, orientando-o de forma que as nossas forças nos permitam alcançar o outro lado do fosso a ser ultrapassado. [pg. 297]
E não é possível saltar esse fosso com um povo faminto, um povo que não disponha do mínimo essencial para suas necessidades básicas de vida, um mínimo essencial de alimentação.
E é aí que está pegando o carro do progresso nacional. Este mínimo só será obtido através de profundas alterações de nossas estruturas de base que, em seu arcaismo se tornam incapazes de propiciar as condições indispensáveis ao pleno exercício de nossas forças produtivas. Destas estruturas, a mais retrógrada e a mais resistente ao verdadeiro progresso social é, sem nenhuma dúvida, a nossa estrutura agrária, daí a necessidade de atacá-la com decisão para adaptá-la às necessidades sociais do Brasil atual.


É a inadequação de nossas estruturas agrárias o fator essencial da má utilização de nossos recursos naturais, da baixa produtividade agrícola e da subocupação do homem do campo. Numa palavra: do atraso geral de nossa agricultura. O arcaísmo desta estrutura agrária se evidencia não só pela inadequada distribuição das propriedades, como pelas relações de produção de tipo feudal, nas quais ainda perduram o regime da meiação, a parceria e outras sobrevivências do feudalismo agrário.


Moacyr Paixão14 expressa com muita felicidade o chamado “problema agrário brasileiro” em três características da sociedade rural:
“a) o domínio monopolista sobre grandes extensões de terra, por vezes as de melhor qualidade, exercido por uma classe social de fazendeiros capitalistas e latifundiários, que impedem a mais ampla utilização dos solos no processo produtivo;
b) a existência de enorme massa de camponeses não proprietários, de condição social heterogênea, regra geral pobres, e que, para ter acesso à terra, precisam sujeitar-se aos regimes de parceria, arrendamento, colonato e salariato nas fazendas de café ou criação, nas plantações de algodão, arroz, açúcar, trigo, fumo, cacau, milho; [pg. 298]
c) as fricções sociais em torno da terra, que se manifestam sobretudo a partir das posições opostas vividas pelos grandes proprietários fundiários e a massa rural sem terra, atingem outras camadas sociais do campo. Chocam-se, realmente, contra o grande domínio centenas de milhares de proprietários pobres, detentores de pequenas áreas de terra.”


A gritante impropriedade desse regime agrário feudal em meados do século XX se pode exteriorizar através de alguns dados estatísticos que são de uma eloqüência impressionante: o Brasil com sua enorme extensão territorial possui o mesmo número de propriedades agrícolas que a França, cuja extensão territorial representa apenas 6% do nosso território.
É como se ainda perdurasse no Brasil o regime das capitanias hereditárias estabelecido em 1554 por D. João III de Portugal. É que cerca de 60% das propriedades agrícolas no Brasil são constituídas por glebas de áreas superiores a 50 hectares de terra, das quais 20% possuem mais de 10.000 hectares.
No recenseamento de 1950, ficou evidenciada a existência no Brasil de algumas dezenas de propriedades que são verdadeiras capitanias feudais: propriedades com mais de 100.000 hectares de extensão. Ao lado desta nociva tendência ao latifúndio, irmão siamês do arcaísmo técnico e da improdutividade, encontramos a pulverização antieconômica da propriedade — o minifúndio — expressão da realidade social, de que 500.000 propriedades, ou seja, uma quarta parte dos estabelecimentos agrícolas existentes no Brasil — 2 milhões — apenas ocupam 0,5% da extensão das terras de propriedades agrícolas.


Do latifúndio decorrem a ínfima percentagem de área cultivada no país — apenas 2% do território nacional —, as práticas agrícolas primitivas, de baixo rendimento e de alto grau de destruição da fertilidade dos solos, a ausência de técnica agronômica e do esforço de capitalização indispensável ao progresso rural. Do latifúndio decorre também a existência das grandes massas dos sem-terra, dos que trabalham na terra alheia, como assalariados ou como servos explorados por esta engrenagem econômica de tipo feudal. Por sua vez o minifúndio significa a exploração antieconômica da terra, a miséria crônica das culturas de subsistência que não dão para matar a fome da família.
Todo esforço de modernização e dinamização de nossa agricultura tropeça neste arcabouço arcaico da infra-estrutura agrária, [pg. 299] verdadeira armadura contra o progresso econômico e social do país.
Através desta exposição sucinta da conjuntura econômico-social brasileira, chega-se à evidência de que é indispensável alterar substancialmente os métodos da produção agrícola, o que só é possível reformando as estruturas rurais vigentes. Apresenta-se deste modo a Reforma Agrária como uma necessidade histórica nesta hora de transformação social que atravessamos: como um imperativo nacional.


O tipo de reforma que julgamos um imperativo da hora presente não é um simples expediente de desapropriação e redistribuição da terra para atender às aspirações dos sem-terra. Processo simplista que não traz solução real aos problemas da economia agrária. Concebemos a reforma agrária como um processo de revisão das relações jurídicas e econômicas, entre os que detêm a propriedade agrícola e os que trabalham nas atividades rurais. Traduz, pois, a reforma agrária uma aspiração de que se realizem, através de um estatuto legal, as necessárias limitações à exploração da propriedade agrária, de forma a tornar o seu rendimento mais elevado e principalmente melhor distribuído em benefício de toda a coletividade rural.

O conjunto de leis englobadas nesse código deve regular inúmeros problemas, tais como o da desapropriação das terras, os arrendamentos rurais, o dos contratos de trabalho e vários outros aspectos complementares da posse da terra.


Para levarmos a efeito esta reforma, certamente teremos obstáculos a vencer, produtos da lei natural da inércia ajudada pela reação que sempre criam ao progresso os direitos e os privilégios adquiridos. Mas a verdade é que esses obstáculos diminuem cada dia mais. Avultavam outrora pela incompreensão das elites brasileiras que não viam essa necessidade imprescindível de se promover uma modificação nas estruturas agrárias, paralelamente às modificações que surgiram no campo da economia industrial. O rápido surto industrial dos últimos quinze anos, possibilitado pela conjugação de toda uma série de fatores favoráveis, na sua maioria surgidos em função da guerra, contribuiu para manter uma espécie de obscurantismo em torno dessa verdade. Hoje, porém, quando a indústria começa a sentir dificuldades em escoar a sua produção, o problema agrário avulta de importância e desperta a consciência nacional no sentido de resolvê-lo racionalmente. [pg. 300]


Existem em andamento no Parlamento Nacional 178 projetos de lei referentes aos problemas da terra. Quase todos permanecem paralisados em face das forças reacionárias que dominaram até perto dos nossos dias as tendências do pensamento do Parlamento Nacional. Mas sente-se hoje uma mudança sensível deste pensamento. O fato de que não só as classes produtoras, principalmente os industriais, mas expoentes do pensamento das elites brasileiras se manifestem claramente a favor de uma reforma agrária, tende à criação de um clima que permita a aprovação de alguns desses projetos ou de outros que possam progressivamente modificar a estrutura e as relações de trabalho no campo da agricultura.


O principal obstáculo a ser superado é sem nenhuma dúvida a rigidez do preceito constitucional (art. 141, § 6.°), que garante o direito de propriedade, só admitindo sua desapropriação mediante o pagamento prévio em dinheiro pelo justo valor. Se esse “justo valor” for entendido como preço de mercado, segundo a tradição privativista de nossos tribunais, torna-se praticamente inviável qualquer reforma agrária, sem prévia reforma constitucional, em face da soma fabulosa de recursos necessários para desapropriar largos tratos de terra. Se “justo valor”, porém, nos casos de desapropriação por interesse social e tendo em vista o novo sentido social que o art. 147 da Constituição Federal empresta ao uso da propriedade for conceituado de outra forma, como, por exemplo, o “custo histórico”, tal qual propõem Seabra Fagundes, Carlos Medeiros da Silva e Hermes Lima, ou como o “valor tributado”, de acordo com a sugestão de Pompeu Acioly Borges, então sim, poderão ser superadas as limitações contidas no aludido art. 141, § 6.° da Constituição.


Como um imperativo nacional esta medida exige a participação de todos os brasileiros verdadeiramente patriotas para ser realizada em termos de interesse coletivo. Exige, pois, uma preparação psicológica através de uma campanha de esclarecimento da opinião pública. De esclarecimento de que não se trata de uma medida visando beneficiar um só grupo, o dos párias rurais — os sem-terras — mas que beneficiará a todas as classes e grupos sociais, interessados no desenvolvimento econômico equilibrado do país.


Precisamos enfrentar o tabu da reforma agrária — assunto proibido, escabroso, perigoso — com a mesma coragem com que enfrentamos o tabu da fome. Falaremos abertamente do [pg. 301] assunto, esvaziando desta forma o seu conteúdo tabu, mostram do através de uma larga campanha esclarecedora que a reforma agrária não é nenhum bicho-papão ou dragão maléfico que vai engolir toda a riqueza dos proprietários de terra, como pensam os mal-avisados, mas que, ao contrário, será extremamente benéfica para todos os que participam socialmente da exploração agrícola, porque só através desta reforma será possível inocular na economia rural os germes de progresso e desenvolvimento representados pelos instrumentos técnicos de produção, pelos recursos financeiros, e pela garantia de um justo rendimento das atividades agrárias, de forma a libertar a nossa agricultura dos freios do colonialismo agonizante e liberar, indiretamente, o nosso desenvolvimento econômico do principal fator de estrangulamento do seu crescimento, que é o marasmo da agricultura brasileira. E libertar desta forma o povo das marcas infamantes da fome.


Ao lado da estrutura agrária, há outros obstáculos estruturais a vencer.15 Não é só a infra-estrutura agrária que está superada, mas também os processos de distribuição da produção agrícola com sua rede interminável dos intermediários e atravessadores. Dos monopolistas e exploradores da fome. Tudo isto tem que ser revisto. Mas isto é um livro e não um programa de governo e por isto nos limitamos a apontar onde estão os pontos fracos de nossa estrutura por onde o problema deve ser atacado.


Através desta sondagem das condições de alimentação e nutrição do brasileiro das diferentes zonas do pais, da visão sintética da situação brasileira como um todo, da análise dos fatores que interferem, de maneira mais direta, na sua estruturação e das consequências que daí decorrem, podemos formular as seguintes conclusões gerais:
I — O Brasil, como país subdesenvolvido, em fase de desenvolvimento autônomo e de acelerado processo de industrialização não conseguiu ainda se libertar da fome e da subnutrição que durante séculos marcaram duramente a sua evolução social, entravando o seu progresso e o bem-estar social do seu povo. [pg. 302]
II — A dualidade da civilização brasileira, com a sua estrutura econômica bem integrada e próspera no setor da indústria e sua estrutura agrária arcaica, de tipo semicolonial, com manifesta tendência à monocultura latifundiária, é a principal responsável pela sobrevivência da fome no quadro social brasileiro.
III — Nenhum fator é mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do país do que a sua estrutura agrária feudal, com um regime inadequado de propriedade, com relações de trabalho socialmente superadas e com a não utilização da riqueza potencial dos solos.
IV — Os baixos índices de produtividade agrícola, produto da exploração empírica e desordenada da terra, a produção insuficiente pela exiguidade de terras cultivadas, apesar do enorme potencial de terras virgens do país, os insuficientes meios de transporte e de armazenagem dos produtos se constituíram como fatores de base no condicionamento de um abastecimento alimentar insuficiente e inadequado às necessidades alimentares do nosso povo.
V — A inflação provocando uma alta contínua dos preços dos produtos alimentares e a baixa capacidade de compra de largos setores de nossa população, principalmente na zona rural, tem acentuado as dificuldades do abastecimento alimentar adequado de uma grande parcela do povo brasileiro.
VI — Apesar dos esforços realizados, dos programas de educação alimentar e de extensão agrícola que procuram disseminar pelo país os conhecimentos fundamentais e práticos da ciência da alimentação, constitui ainda a ignorância destes fundamentos um fator de agravamento da dieta pela má aplicação por parte do povo de suas escassas disponibilidades financeiras.
VII — Também fator de agravamento da situação alimentar tem sido o surto de expansão industrial do país, sem o paralelo incremento da produção agrícola, de forma a atender a crescente procura de alimentos de uma população que procura elevar os seus padrões de vida, principalmente nas cidades. [pg. 303]
VIII — A alimentação do brasileiro se mostra assim imprópria em toda a extensão do território nacional, apresentando-se em regra insuficiente, incompleta o desarmônica, arrastando o pais a um regime habitual de fome — seja de fome epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, a do Nordeste açucareiro e a da monocultura do cacau, seja epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas periódicas, seja de subnutrição crônica, de carências mais discretas como nas áreas do Centro e do Sul.
IX — A fome, tanto global como específica, expressa nas inúmeras carências que o estado de nutrição do nosso povo manifesta, constitui, sem nenhuma dúvida, o fator primacial da lenta integração econômica do país. Por conta dessa condição biológica tremendamente degradante — a desnutrição crônica — decorrem graves deficiências do nosso contingente demográfico.
Deficiências que são consequências diretas dos alarmantes índices de mortalidade infantil, de mortalidade global, de mortalidade pelas doenças de massa, como a tuberculose, dos altos coeficientes de morbilidade e de incapacidade para o trabalho e dos baixos índices de longevidade, expressões bio-estatísticas todas essas fundamentalmente condicionadas pelo estado de desnutrição da coletividade. A fome leva mais longe seus efeitos destrutivos, corroendo a alma da raça, a fibra dos pioneiros lutadores que conseguiram de início vencer a hostilidade do meio geográfico desconhecido, tirando-lhes toda iniciativa, levando-os à apatia e ao conformismo ou à explosão desordenada de rebeldias improdutivas, verdadeiras crises de nervos de populações neurastênicas e avitaminadas.
X — Nenhum plano de desenvolvimento é válido, se não conduzir em prazo razoável à melhoria das condições de alimentação do povo, para que, livre do peso esmagador da fome, possa este povo produzir em níveis que conduzam ao verdadeiro desenvolvimento econômico equilibrado, daí a importância da meta “Alimentos para o povo”, ou seja, “a libertação da fome”.


Esta dramática situação alimentar, expressão do subdesenvolvimento, nacional e das contradições econômicas que esta situação gera no país, apresentada esquematicamente nestes dez itens ou traços mais marcantes do retrato da fome no Brasil, impõe a necessidade inadiável de uma política alimentar mais efetiva, que não seja apenas de paliativos e de correção das falhas [pg. 304] mais gritantes através de programas simplesmente assistenciais.
Impõe-se uma política que, acelerando o processo de desenvolvimento, quebrando as mais reacionárias forças de contenção que impedem o acesso à economia do país a grupos e setores enormes da nacionalidade, venham a criar os meios indispensáveis à elevação dos nossos padrões de alimentação. Porque a verdade é que nada existe de especifico contra a fome, nenhuma panacéia que possa curar este mal como se fosse uma doença de causa definida. A fome não é mais do que uma expressão — a mais negra e a mais trágica expressão do subdesenvolvimento econômico. Expressão que só desaparecerá quando for varrido do país o subdesenvolvimento econômico, com o pauperismo generalizado que este condiciona. O que é necessário por parte dos poderes públicos é condicionar o desenvolvimento e orientá-lo para fins bem definidos, dos quais nenhum se sobrepõe ao da emancipação alimentar do povo. É dirigir a nossa economia tendo como meta o bem-estar social da coletividade. Só assim teremos um verdadeiro desenvolvimento econômico que nos emancipe de todas as formas de servidão. Da servidão às forças econômicas externas que durante anos procuraram entorpecer o nosso progresso social e da servidão interna à fome e à miséria que entravaram sempre o crescimento de nossa riqueza.


O Brasil, que acaba de construir a capital do futuro, precisa arrancar o resto do pais das brumas do passado, da sobrevivência de sua infra-estrutura econômica de tipo pré-capitalista, na qual vegeta até hoje mais da metade de sua população.

A vitória contra a fome constitui um desafio à atual geração — como um símbolo e como um signo da vitória integral contra o subdesenvolvimento. [pg. 305]


Notas:


1 Sobre o panorama alimentar no Brasil, expresso em dados e índices estatísticos, consulte-se o relatório apresentado pelo Deputado Agostinho Monteiro à Comissão de Investigação econômica da Assembleia Legislativa e publicado sob o título Problemas de Alimentação no Brasil. Rio, 1946.
 2 Joseph Klatzmann, em conferência realizada na Sorbonne em janeiro de 1958, dá um excelente apanhado do que ele chama as armadilhas da estatística, os enganos onde nos podem conduzir as cifras estatísticas. Vejamos um trecho bem significativo de sua conferência: “Todo mundo sabe como se enganam as pessoas constantemente com as estatísticas. Às vezes de forma premeditada, às vezes sem propósito. Mas por que as estatísticas enganam? Por variadas razões. De logo. porque elas são muitas vezes falsas. Mas não é só com estatísticas falsas que se deforma a realidade. As estatísticas verdadeiras também servem a este objetivo. Com efeito, pode-se apresentar cifras, sem precisar de que se está falando, sem dar definições exatas. Mas também se pode enganar com estatísticas exatas. e precisas. Pois há ainda o delicado problema de interpretação de suas cifras. Ora, uma tendência natural consiste em proceder a generalizações abusivas, partindo de dados parciais. Doutro lado a seleção das informações, falta de conhecimento ou inconscientemente, conduz a não tomar em consideração senão as cifras favoráveis à tese que se quer provar. Finalmente, a causa princi-pal de erros é a comparação dos dados não comparáveis” — Les Cahiers Rationalistes, n.° 188, maio de 1960.
 3 “Uma das características do regime feudal aristocrático das fazendas desenvolvido no Brasil foi o poder quase absoluto dos senhores de engenho que receberam privilégios do Rei no primeiro século da colonização portuguesa... Vieram a ser também a expressão física de um novo tipo de poder feudal ou patriarcal que pelo isolamento e auto-suficiência originou um forte espírito de independência e mesmo de rebeldia contra a coroa e o republicanismo.” Freyre, Gilberto, Interpretação do Brasil, 1946.
 4 Myrdal, Gunnar, Une Économie Internationale, Paris. 1958.
 5 Rafael Xavier demonstra, em seu estudo sobre A Organização Nacional e o Município, 1946, como esta centralização chegou ao extremo de arrastar para os cofres do Governo central 93% das arrecadações nacionais, deixando para atender, praticamente, às necessidades de 84% das populações dos Municípios brasileiros apenas 7% das mesmas. Sé o Distrito Federal arrecada quase o dobro do quanto percebem os 1.552 Municípios do interior do Brasil. Neste caso os números argumentam sozinhos.
 6 Quatro anos antes da descoberta do Brasil, em 1496. decretava D. Manoel. Rei de Portugal, o fumoso Édito de Expulsão dos Judeus, ou melhor, do “sofisma de sua expulsão”, desde que visava antes a sua conversão ao cristianismo, diante do dilema: batismo ou exílio. Dos 2000.000 hebreus que faziam parte das populações do Reino, 195.000 optaram pelo batismo e se fizeram cristãos novos. Um sexto da população de Portugal em 1500. Muitos desses reconvertidos fizeram parte das expedições colonizadoras enviadas ao Brasil. Ver sobre o assunto o trabalho de J. Lúcio de Azevedo. A História dos Cristãos Novos Portugueses. 1922. e o de Mário Saa, A Invasão dos Judeus, 1925.
 7 Balantier. Georges. “Le Contexto Socio-Culturel et le Côut Social du Progrès”. in Le Tiers Monde. Paris. 1956.
 8 Lambert. Jacques. Os Dois Brasis. Rio. 1959.
 9 Bastide, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. 288
 10 Costa Pinto. L. A., in Resistências a Mudança. Anais do Seminário Internacional. Rio. out. de 1959
 11 Pei-Kang-Chang, Agriculture and Industrialization, México, 1951.
 12 Conjuntura Econômica, dezembro de 1959.
 13 Conjuntura Econômica, fevereiro de 1960.
 14 Paixão, Moacyr. Reforma Agrária — Um Programa de Desenvolvimento econômico.
 15 Accioly Borges, Pompeu, “Obstáculos Estruturais — Demográficos, Econômicos e Sociais — ao Desenvolvimento do Brasil e de Outras Áreas Subdesenvolvidas.” — ín Resistências a Mudança. Rio. 1960.


By Josué de Castro in: 'Geografia da Fome', Antares, Rio de Janeiro, 1984 10º Edição, p. 262-288. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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